Risco de vida ou risco de morte?
A maioria das pessoas já escutou a expressão “risco de morte”, que está rondando por aí… Outro dia, desatento, soltei uma dessas enquanto visitava meus pais. Um olhar lateral, uma respirada e meu pai soltou -Filho, não é porque algum grupo de mídia resolveu matar o “risco de vida” que você deve fazer isso também. O pior é que nunca fui adepto da versão alternativa da expressão, mas resolvi pensar sobre o assunto e fui tentar descobrir quem é o inventor do “risco de morte”.
Do criador eu não tenho provas, mas pelo que pude apurar o divulgador da pérola seria um professor de português (sim, um professor de português!) consultor de algumas empresas de comunicação. O mais chocante é a justificativa para o uso de uma em detrimento da outra. Segundo um colega que viu tal programa de tv, a “razão” seria um “erro de lógica”. Aguarde, querido leitor, isso só irá ficar melhor e melhor…
De acordo com o tal “ilustrado”, não se corre “risco de vida”, afinal, há risco em morrer e não em viver. Zeus nos acuda, como um docente solta uma dessas!
Antes de seguirmos em frente, recuperei minha gramática do ginásio (Novíssima Gramática - Domingos Paschoal Cegalla) e lá encontro a seguinte definição em figuras de construção (especificamente, figuras de linguagem):
Elipse. É a omissão de um termo ou oração que facilmente podemos subenteder no contexto. É uma espécie de economia de palavras. São comuns as elipses dos pronomes sujeitos, dos verbos e de palavras de ligação… Pode ocorrer a elipse total ou parcial de uma oração…
Pois bem, “risco de vida” significa “risco de perder a vida”. Não é óbvio?! Porém o mais ridículo dessa história toda é que a expressão escolhida pelo “mestre” para substituir a “ilógica” também é um elipse. Na verdade, são duas elipses! “Risco de morte” vem de “risco de encontrar a morte”. -Ei, e a segunda elipse?- Acontece que “risco de encontrar a morte” vem de “risco de encontrar o anjo da morte”! Atualmente os gramáticos (quase) todos concordam que, em línguas, o uso (costume) é mandante. Se quisesse evitar a elipse, deveria utilizar “risco de morreR“.
Um adendo, no cinema o anjo da morte ficou conhecido por ser aquele “sujeito” vestido com capa e capuz pretos e segurando uma foice com enorme cabo. Trata-se, na tradição cristã, de um dos quatro cavaleiros do apocalipse. Há um equivalente na tradição talmúdica, mas não me recordo o nome, se alguém puder enviar agradeço.
-Tá, o que isso tem a ver com esse blog? O tal “professor” (não cito o nome aqui pois não encontrei uma declaração dele fazendo tal afirmação, tenho apenas um relato), como já disse, é consultor da principal rede de comunicação do país. Esse é um risco constante de qualquer tipo de consultoria (esse blog incluso): apontar erros que não existem. Cria-se um problema onde não há nada errado, ou pior, erra-se onde está tudo certo para justificar a “consultoria”.
Resumo da ópera, sempre que um consultor apresentar algo bombástico, muito utilizado mas, segundo o consultor, completamente errado e que ninguém havia percebido, desconfie. E desconfie de novo.
-Ahh, então vou desconfiar desse artigo também!
Os conhecedores da língua portuguesa sempre interpretaram a expressão “RISCO DE VIDA”, como o “RISCO DE PERDER A VIDA”. Além disso, NOSSAS LEIS falam em “gratificação por risco de vida”, o CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA fala de “iminente risco de vida” e o DICIONÁRIO DO HOUAISS e o Dicionário RAPHAEL BLUTEAU, no verbete “RISCO”, exemplificam com RISCO (PERIGO) DE VIDA.
O termo “RISCO DE MORTE” pode ser usado obedecendo a um CRITÉRIO DIFERENTE, deve vir acompanhado de um adjetivo (risco de MORTE SÚBITA, de morte PRECOCE, de morte INDIGNA) ou sugere uma estrutura verbal subjacente (risco de morte POR AFOGAMENTO, de morte POR PARADA RESPIRATÓRIA, de morte NO 1º ANO DE VIDA, etc.) - ficando evidente a impossibilidade de optar por risco de vida nessas duas situações.
Risco de vida e risco de morte são, portanto, duas coisas distintas e agora, com o pasqualês, estão todos falando risco de morte quando deveriam usar risco de vida.
Um profissional de saúde, humana ou ambiental, um advogado, quem mexe com seguros, PERDE PONTOS EM UMA PROVA OU REDAÇÃO, simplesmente por NÃO SABER DIFERENCIAR entre risco de vida e risco de morte.
A gramática existe pra não haver dúvida. “O QUE CORRE RISCO É NOSSA VIDA POIS NOSSA MORTE ESTA ASSEGURADA”.
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